quinta-feira, 30 de agosto de 2012

wild is the wind

eu não entendo nada de música, mas ouça aí 'Wild is the wind' com Nina Simone:


segunda-feira, 27 de agosto de 2012

O Brasil é o Paraíso... Penal!

Era uma vez, três bons amigos que se conheciam desde pequenos e viviam bem longe daqui. Desde pequeninos mostraram não apenas uma queda, mas uma paixão pelo crime.

O mais novo era um bobão, cometia pequenos furtos, brigava na rua, ameaçava e se contentava com qualquer coisa na mão, e só era respeitado porque partia para a ignorância com a maior facilidade. No final, nunca ganhava nada que valesse a pena e desperdiçava todo o seu pequeno dinheirinho na primeira oportunidade.

O segundo já era mais esperto e adorava dinheiro. Como pequeno surrupiador já furtava as chupetas dos outros bebês antes mesmo de engatinhar. E deu seus primeiros passos como estelionatário já nos primeiros anos do colégio. Sempre conseguia muito dinheiro e vestindo as melhores roupas estava sempre cercado das mais bonitas porquinhas.

O terceiro era o mais inteligente. Sempre protegido por Brutus. Sempre aproveitando das coisas boas  das quais Riquinho estava cercado. Mas ele lia, ele estudava, prestava muita atenção nas coisas e nos outros. Era admirado porque nunca fora pego em suas malandragens. Pobre Brutus, sempre se ferrava nas suas, já Riquinho escapava na maior parte das vezes.

Crescidos, resolveram dar um grande golpe. Estrela, claro, planejou cada detalhe. Riquinho usou de seus recursos e contatos. Brutus 'colocou as patas na massa' e fez as coisas acontecerem. Ficariam milionários mas como parte do plano, seriam obrigados a se separar e mudar de vida.

Com que alegria começou aquela noite de comemoração após o golpe.  Eles jogavam os maços de notas para cima, riam dos idiotas que roubaram e relembravam as travessuras da infância. No fim, uma certa tristeza, ao trocarem os envelopes lacrados que continham os futuros destinos de cada um e que somente deveriam ser abertos em caso de vida ou morte.

Brutus, sem imaginação e preguiçoso como era, acabou ficando ali mesmo em sua terra natal. Cheio da grana e poderoso, bebia todo dia com novos amigos, brigava às vezes e continuou sua vida assim, gastando rapidamente uma fortuna, das formas mais absurdas possíveis e sem perceber acabou ficando rapidinho sem dinheiro.

Neste momento, chegou a hora do acerto de contas de Brutus com a Justiça. O implacável investigador da Interpol, conhecido como o Lobo da Lei, descobriu o seu rastro e rapidamente ficou cara a cara com Brutus e lhe disse: A casa caiu, é inútil resistir. Num lance de sorte, Brutus ainda conseguiu abrir o envelope de Riquinho e ler: Ilhas Cayman, Paraíso Fiscal. Numa noite fria, a tempestade o ajudou a fugir e ele foi em busca de seu amigo.

Chegando no Paraíso Fiscal, Brutus contou sua desventura com o terrível detetive e como quase foi parar atrás das grades para sempre. Riquinho abraçou seu velho amigo e lhe disse que não se preocupasse pois tinha ainda mais dinheiro que antes e eles estavam muito seguro naquele belo paraíso fiscal.

Contudo pouco tempo havia se passado e o tinhoso investigador já havia descoberto o paradeiro dos amigos.

Mas dessa vez não foi fácil. Riquinho tinha muitos amigos e era até amigo da própria justiça. O inspetor tentou e não conseguiu, tentava colocar as garras nos bandidos mas eles escorregavam... Foi só pela sua insistência que, finalmente, conseguiu bloquear todo o dinheiro de Riquinho e estava a agarrá-los quando... Riquinho viu que era a hora de partir, abriu o envelope de Estrela e leu: Brasil, Paraíso Penal!

- Estrela é um verdadeiro gênio! comentavam Brutus e Riquinho enquanto voavam de primeira classe para o Rio de Janeiro (como muitos outros antes deles já haviam feito). Claro, o lugar certo estava na nossa cara desde o início, todos aqueles filmes e todas aquelas histórias reais, quando alguém comete um crime, para que lugar os malandros fogem?

Tal como está registrado nos filmes (a arte mente, mas só um pouquinho...) os amigos se encontraram usando chapéus Panamá, e ao contar suas desgraças, choravam e sorriam ao mesmo tempo, tomando caipirinhas, ouvindo samba e olhando as bundas e o requebrado delicioso das mulatas.

Brutus, embora confiasse em Estrela, já estava cansado das perseguições do Lobo da Lei e perguntou se era mesmo certeza que ali era tão seguro assim como falavam. Estrela começou contando-lhe histórias como as de Ronald Biggs e Josef Mengele, e explicou que eram apenas boatos que diziam o contrário e que os dados os favoreciam francamente.

Disse-lhe ainda que no Brasil é tradição  defender os direitos dos criminosos mais do que os direitos do restante de toda a sociedade. Os brasileiros respeitam tanto o indivíduo e são tão cristãos, brincou, que um lobo desgarrado é mais importante do que todo o resto dos seres viventes.

Inteligente como era, Estrela tratou de afastar as generalizações logo no início: - tudo o que vou dizer, veja bem, não se aplica a todas as pessoas, a todos os profissionais e a todas as instituições... Mas não precisamos de todos, certo? Basta alguns, em suficiente número - e aqui temos de sobra - para garantir nosso Paraíso Penal. E dentre centenas de milhares de advogados muitos dos bons (e bem pagos) lutam para preservar as coisas assim e não vai ser uma meia dúzia teimosa que vai mudar tudo.

E continuou:

Embora a prioridade seja a proteção de criminosos do colarinho branco, o ambiente em geral é seguro até para quem comete o crime mais grave. São muito mais de 10 chances de ficar livre... Enfim, o próprio povo tem a sua culpa  e ele é a fonte inesgotável que abastece todas as profissões nas quais temos os nossos amigos que nos favorecem.

E Estrela continuou contando as vantagens de seu Lar por dias e dias...

E a todo momento seus amigos sorriam aliviados.  Enquanto isso, o infeliz Lobo da Lei, que os tinha seguido até lá e insistiu em ficar ouvindo tudo do lado de fora, ia aprendendo que ouvir essa conversa era prova ilícita, que denúncia anônima era prova ilícita, que demorar muito ou ir muito rápido anulava o processo etc. etc. E olhou chocado para essa fortaleza inexpugnável e viu que dessa vez iria soprar, soprar e soprar até... morrer de soprar!

domingo, 12 de agosto de 2012

Confissões de um fantasma.

Pensem comigo, um fantasma é uma coisa que não existe. Ou pelo menos não deveria existir. Como ele consegue? É a força de vontade. A força de vontade te permite fazer praticamente qualquer coisa, menos ser... então, ele quase existe... É por isso que ele precisa necessitar de algo, ele precisa de um propósito.

Os fantasmas, nos filmes, são pouco nítidos, mas na vida real são idênticos a uma pessoa de verdade, só por dentro é que são turvos. Foi-se o tempo em que precisavam ser alegóricos, como o homem de lata (O Mágico de Oz), para que os aceitássemos.

Um fantasma é feito principalmente de força de vontade, ou, nas palavras do Agente Smith (Matrix Reloaded): “... Não há como fugir da razão, como negar o propósito...pois, como ambos sabemos, sem propósito, não existiríamos. Foi o propósito que nos criou. O propósito nos conecta. Ele nos impele. Nos guia. Nos motiva. O propósito nos define. O propósito nos une. … “

Fantasmas são assustadores! Quem iria querer topar com um deles, certo? Errado. Tal como os vampiros, fantasmas são sedutores, charmosos, atraentes, poderosos e na maior parte das vezes, bem vestidos. Ou seja, nós é que vamos ao encontro deles, e nos podem dizer: Vieste por tua vontade.

Ele precisa manter vivo o propósito, mas ao alcançar suas metas, ele que consegue tocar as pessoas mas não pode ser tocado, tampouco sacia-se com o prazer que com suavidade ou violência extrai de suas  vítimas. Suas metas são para ele o que o sangue é para os vampiros, e a força de vontade é a sua sede.

Ele alcança os objetivos aos quais se propõe, porque cada um deles constitui a metáfora de sua sobrevivência. Como alguém mergulhado em águas profundas, sente que se expirasse – abrindo mão do controle e deixando que os outros e o mundo sejam a seu modo – não poderia mais respirar, e num instante passaria da sobrevivência em risco a uma agonia aterradora. Não, ele não pode deixar isso acontecer, precisa vencer sempre. Por isso, faz de tudo e faz sempre melhor que os outros.

Demora-se para descobrir que alguém é um fantasma. Ele mesmo costuma ser um dos últimos a saber. Mas quando se percebe assim, um espectro sem vida, é assustador. E pode ser que lhe surja o desejo de ser uma pessoa de verdade. E aí ele finalmente descobre um limite, um desafio que o amedronta, pois uma das coisas que um fantasma não deve fazer é tentar deixar de ser um morto-vivo, pois a dor de uma vida plena pode matá-lo.

Para tentar de verdade, para ser, precisará amar, e isso não se alcança com força de vontade, e sim com a tímida coragem de quem tem tudo a perder e se arrisca assim mesmo. Não mais envolvido pela solidão e protegido por sua beleza de porcelana, o amor o fará sentir o calor do sol percorrer o seu corpo agora humano.

Enfim, um corpo de carne e sangue, mortal, e um belo coração, não mais invencíveis pela força de vontade, que o sustentava pairando no ar - tal qual anjo decaído que não quer decair totalmente.

E como mortal, finalmente será ferido, e morrerá.

E a ironia trágica de ter vivido como um morto – dentre esses tantos sonâmbulos que andam por aí fingindo ser - não será mais relevante, pois,  enquanto os outros reclamam, ele poderá encontrar paz na dor de morrer como um vivo, um pouco a cada dia, sem antecipar as coisas.

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Feliz aniversário!

- Pô Zé, feliz aniversário hein!

- Obrigado, meu velho.

- Quantos anos você está fazendo?

- 36.

- Cara, olha só, agora você tem 36 anos...

- Infelizmente não tenho não. Estava lendo Rubem Alves e ele me disse que esses anos aí são os que eu não tenho mais... os que eu tenho são os que não gastei, os que ainda me sobram, mas esses eu não sei quanto são.

- Tá bom, filósofo complicador do c... Você não tem 36, mas guardou 36 anos, pois esses anos que você não tem mais, contém as histórias e tudo o mais que te fez como és. Assim, se não são certos os teus anos futuros, só te restam os passados, ainda que não os tenhas mais...

- Se eu entendi bem, os anos que não tenho, porque já passaram, são os que tenho porque guardei as memórias e os pedaços de mim e dos meus; e os que tenho, para frente, não os tenho porque não é certo que virão, afinal, como já cantou Raulzito 'Um escorregão idiota, num dia de sol, a cabeça no meio-fio...' Coisa que pode acontecer com os homens mais respeitáveis como Evandro Lins e Silva.

- Eu só queria te dar um feliz aniversário...

- Ué, me deste. Se não tenho os anos que passaram nem os que talvez venham, o que eu tenho? Você me ajudou a ver o que realmente tenho: O Presente. 

- E este agora eu o sinto pulsante em minhas mãos, coração e cabeça, ele viceja e escorre, me alegra e me entristece, me entendia e me estressa. 

Ele me dá a saudade, que é a boa forma de guardar os anos que já se foram;

E a esperança, que é a boa forma de viver os anos que talvez não venham.