sexta-feira, 20 de junho de 2014

Sem título.

A menina estava sozinha, sem seus brinquedos, ansiando por alguém.

O menino era ainda mais só. As mãos fortes esfarelavam o que desejasse.

Se conheceram, e na praia, deram um mergulho fundo, e algumas tragadas de ar.

A vida berrou-lhes nos ouvidos, dos quais escorria uma aquecida água do mar.

Mas logo haveria de calar-se, pois os calados eram ainda mais profundos que o mar.

O novo capitão, para passar melhor o tempo, esmerou-se na construção de um boneco. Expirou-lhe o espírito. Tornou-se ventríloco.

Antes mesmo de partir, testou a fala. Soava real. Até para si mesmo.

Buscou o Oriente e suas maravilhas. Encontrou uma de cabelos dourados. O espírito hesitou pois já não reconhecia bem a casa.

Partiu, pois o mundo lhe chamava. Mas nenhum porto o contentava. Rezou por ajuda.

- Sim, respondeu-lhe a silhueta de um fantasma espelhada na água: menos luz vai te fazer bem.

- Por que não? pensou o boneco. Mas mandou o ventríloquo em seu lugar.

Viveu algumas aventuras, mas tempos depois, num dia distraído, saltou-lhe por cima seu senhor, dominou-o, e sem explicar, deu-lhe o mesmo remédio.

Saído assim rápido da penumbra, seus olhos se incandesceram. O sol beijou-lhe a boca salgada e lambeu-lhe o pescoço forte. Parecia que não anoiteceria mais.

Num dia de outono porém, anunciou-se uma penumbra, envolveu-lhe e ao navio, por sobre ela vinha o boneco, trazendo uma mordaça de ferro dourado na qual pode ver horrorizado o seu nome escrito. Imobilizado. O boneco colocou-lhe no colo, e pôs-se a falar por ele. E por onde passava, era aclamado pelo seu engenho.

Um mal destino se desenhava, mas em suas navegações tinham se aproximado demais do Pólo Norte, e o magnetismo mostrou-se intenso, extenuante, implacável, e a velha mordaça cedeu.

Quem diria que justamente por estas frestas pudesse entrar algo tão suave. Era um veneno ou era um remédio?

Dependia da dose,  claro. E acima não foi um bom negócio...

Acabou por matar o boneco.

segunda-feira, 12 de maio de 2014

Inimigo Pedro

Pedro emagrecia,
Com as noites mal dormidas,
Fechava os olhos e lhe aparecia,
Uma caverna parricida.

Logo ele?
Ex-atleta, cuidadoso, assim envergonhado,
Olhos fechados, susto danado,
Sua boca encardida e fétida,

Filas de dentes,
Caçadores, coletores,
Amarelados, deteriorados,
Decompostos, desregrados,

Acordava num sobressalto,
Corria para o espelho, se acalmava,
Brilhavam lá seus dentes cultivados,
Frutos da genética, bem higienizados,

Quando se cerravam as cortinas, contudo,
Soprava o hálito da morte,
E de tanto repetir-se a cena,
Começou a duvidar do espelho,

E a examinar,
Tão minuciosamente,
E por tanto tempo,
Os próprios dentes,

Que finalmente viu,
Bem acordado,
Bem ali,
O mal, o tártaro, o noturno visitante,

Não o tártaro dos dentistas,
Sim o tártaro dos deuses,
Onde os fortes morrem esquecidos,
Onde as amizades esmaecem,

Onde habitam as esperanças cansadas,
Os amores que não vieram,
Os amores que já se foram,
A velha criança desenganada.

Refletia-se,
Chorava, ria,
Dava adeus,
Dava a pedro,

Esperavam-no,
Sem saber,
Com paixão,
Foi-se.

Coragem, compaixão, autenticidade, vulnerabilidade.

Segue um momento fantástico,
Com o que de mais importante há para ser dito.
Que alma iluminada!
Humorada,
Infelizmente, não legendada...


quinta-feira, 1 de maio de 2014

Fausto

Filosofia, Direito, Economia, Psicologia... estudei tudo isso para que? Agora estou aqui, mais imbecil do que antes.

Pretende achar o que está lhe faltando neste livro?

Muito melhor se você comprar a nova capa do Iphone e instalar o aplicativo de lanterna. Você poderá usar a Luz a seu favor.

Sexo anal com seu estômago. Mais uma batata frita, mais uma almôndega! eu nao aguento, por favor, não. aguenta sim, coma, tome, vai te fazer bem. Os outros estão comprando também e vc está levando na promoção, e vai ter no rabo o mesmo que a Zu levou na novela. Faz o seguinte: tira a Zu daqui que é melhor prá vc.

O que você acha que é a pior coisa que pode acontecer com uma pessoa?

Deixe-me mostrar quanto mais de abuso eu posso suportar.

Você se sente sozinho, mas na verdade tem muita gente interessada em saber. Eu posso lhe contar... mas não devo. Acho que os outros não iam gostar de saber que eu lhe contei. Eles já têm planos para o que fazer neste inverno e você poderia querer lhes acompanhar.

Existe um remédio bem simples. ele ajuda a viver e a sobreviver.

A comida que entrou, agora impaciente quer sair, fora de hora e fora de lugar. Ainda bem que essa nobre senhora se junta a mim neste ato vulgar de cagar à rua. Na frente das pessoas não, é melhor atrás.

A razão é inimiga da Fé, mas também é inimiga do Nada. É inclusive inimiga de si mesma.

No princípio era o contrato.

Engraçado que o contrato também é Senhor no Mercado de Veneza.

Por que o contrato e os advogados tem essa afinidade toda com o demônio? Por que  matam a vida que se renova e que ousa se insurgir contra as cláusulas do como deve ser o mundo?

Essa mulher me persegue há anos e alega que é minha mulher.

Eu não acredito que ele consegue se divertir assim. São só mulheres, têm os dedos contorcidos, e ainda assim... ouço as risadas, vejo as pegadas, invejo a leveza do Mal. Por que mesmo falam mal do Mal? Samuel é o mal.

Tantas mulheres... mas aquela...humm, deixo de sentir o meu estômago queimar, brilha o sol, sopra o vento, e haverá brilho e sopro por um tempo, antes de minha alma começar a queimar.

- me ajude.
- nao sou seu empregado.
- nao é. ainda nao.

Você olha para o Sol e o vê brilhar. Mantém os olhos no céu e vê uma estrela cadente. O que significa? Uma bola de gás. Um farto sol? é só isso?! e nós aqui com preocupações.

Minhas coisas não me pertencem. Elas podem ser devolvidas a qualquer momento.

Parece simples. Você me vende isso e eu te dou dinheiro. Parece, mas não é, você está me dando mais. Quem é mais velhaco que o diabo? eu, que te vendo sonhos.

O diabo é democrático. não queria apenas as mulheres queimadas nas fogueiras, mas todos, independente de raça, idade ou sexo.

Seu desejo de viver é grande, mas sua força é pequena.

Baseado no filme "Fausto"

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Manifestações 5: A polícia vista por quem exerce a cidadania

Não é fácil ser um agente público num órgão de controle numa sociedade desigual, de recente vivência democrática e de histórico autoritário e elitista. E é menos fácil ainda ser "apenas" cidadão nessa mesma sociedade.

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A polícia (de choque) nos protestos.

Discuto aqui a atuação desviante dos policiais nos protestos, ou seja, quando é o caso de agir e se omitem de usar a força necessária para fazer cessar danos pessoais e materiais nos protestos ou quando exercem a força, mas em desproporção ou em face de cidadãos que não estão causando danos.

A atuação que resguarda os direitos fundamentais enquanto atua, bem preparada, com uso adequado de força e que busca evitar o conflito é a típica atuação de poder público que se espera e que se justifica.

Parece uma desgraçada ironia que os agentes públicos que exercem a função policial sejam, na maioria das vezes, (mal) pagos com recursos dessa própria sociedade para usar de força (violência) contra essa mesma sociedade, sob o fundamento de que estariam ali para defender o regime público que garante essa mesma sociedade, quando a sociedade em si já rejeita esse mesmo regime público. Estamos, por certo, falando de muitas sociedades diferentes, mas todas compõem a grande, complexa e diversa sociedade brasileira.

Policiais e todos os demais agentes públicos que estão no dia a dia das ruas são os mais expostos e acessíveis para a sociedade. Todas os políticos e os chefes e mais chefes da imensa máquina administrativa, todos os que não estão "no balcão", no atendimento, na rua, também fazem parte do problema e não devem ser esquecidos.

Logo, não faz sentido culpar apenas os policiais pela violência policial, assim como não faz sentido você xingar a atendente da companhia aérea quando seu vôo atrasa (a culpa não é dela e ela não pode resolver).

Assim, no caso de abusos policiais com danos à integridade física dos cidadãos deve-se ter uma ampla visão responsabilidade de todos os agentes públicos envolvidos, direta ou indiretamente, com ações e omissões, lembrando que a cadeia de comando final cabe aos chefes do poder executivo, especialmente governadores.


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A inversão do (ab)uso de autoridade:



Este texto para da reflexão sobre as ameaças sofridas por um dos humoristas do grupo

É claro que ser alvo de chacota é ruim, e especialmente para as autoridades, que precisam ser reconhecidas enquanto tais para exercerem suas funções.

Mas o humor, numa democracia, é uma forma abordar questões difíceis. E a violência policial, uma das formas de violência estatal que existem é uma dessas questões difíceis.

Na falta da empatia para se colocar no lugar de quem já sofreu, só quem já foi humilhado ou agredido para saber qual é a sensação.

A questão que vejo é, de novo, numa democracia, os agentes públicos estão sujeitos à crítica, ela faz parte, e eles não devem usar o poder público do qual são guardiões (no caso de policiais, armas, treinamento, viaturas etc.) para se vingar de algo que não gostaram. A frustração faz parte da vida adulta, do espaço público e da democracia.

Acho aliás, que a esquete do 'porta dos fundos' não foi inocente, acho que ela é muito inteligente.

Eles inverteram a posição da autoridade, que não é dada mais pelos sinais exteriores e nem pelo cargo exercido e sim pela legitimidade da cidadania.

É claro que os cidadãos ali representados cometeram abuso do direito de cidadãos que fiscalizam; da mesma forma que agentes públicos (não só os policiais) cometem abusos bastante frequentemente.

Vejo um lado muito positivo e dois muito negativos nessa situação:

O primeiro negativo é a possibilidade de agentes públicos - armados ou não - usarem dos recursos e investidura pública para se vingarem de críticas que não gostem.

O segundo negativo é o "gostinho", de vingança dos humilhados, que faz as massas se identificarem com a revolta dos oprimidos e a humilhação daqueles que tem poder. Isso me parece um ressentimento capaz de alimentar um conflito social explosivo.

O aspecto: o vídeo surpreende ao colocar a autoridade fora de onde normalmente esperamos que ela esteja, no Poder, no lado mais forte, no Estado e na Polícia, e a coloca no lado ordinariamente tido como mais fraco, cidadãos comuns e a sociedade civil.

Vejo essa inversão como sendo do mesmo quilate do filme Brokeback Mountain onde Ang Lee colocou cowboys, símbolo da macheza, no papel de homossexuais.

É uma crítica dura a quem exerce o poder público no país (não só aos policiais), mostrando que, elas por elas, o cidadão também tem o poder de (ab)usar de seu poder legítimo, como o tem os agentes públicos.

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

A Grande Beleza (texto baseado no filme)

O vovô está muito parado hoje.
Está olhando pela janela desde manhã.
Eu olhei também, mas não consegui ver o que ele vê.

Às vezes ele sorri sem tirar os olhos de lá.
 Aí eu olho de novo... mas nada.
Perguntei à mamãe e ela disse que é para eu ir cuidar de coisas de crianças.
E deixar as coisas de velho prá lá.

Por mais chato que seja olhar para o Jeb parado lá a manhã toda,
Quando ele sorri, parece que alguém está puxando e abrindo as cortinas para um belo espetáculo começar.
O que não faria sentido seria sorrir assim ao final do espetáculo.

Eu odeio a minha vida.
A voz doce da minha mãe me enjoa como um melaço tomado no bico da garrafa.
O olhar cuidadoso de meu pai me cerca e me oprime.

Eis que um dia conheço o amor.
A lua reflete-se na água, a água ondula com o vento e o vento brinca com teu vestido.
Tu diz-me 'Vem' e é como se o tempo também fosse contigo, lento, lentíssimo.
E de repente,

Tudo acelerado. Rodopiam. Gritam. Se esfregam. Cospem. Chafurdam.
E eu com eles. Eu sou eles. Não busco mais nada. Tampouco fujo. Fico ao vento.
E o vento me assopra. Mas persisto altivo. Me bajula, persisto. Me vira o rosto, me rio.
E eis que desiste. E por um instante sinto o sol arder em meu rosto, antes que a noite fria, acelerada, me abrace, dizendo-me que ela, e só ela, será minha companheira até o fim.

Sinto saudades. Sinto tristeza. Sinto culpa. Por isso não sinto mais nada.
Apenas um leve incômodo em meus cotovelos há tanto tempo apoiados no parapeito da janela.
E lembranças que me assaltam furtivas, brincalhonas, saudosas de mim.
E meu neto a me olhar, curioso, como se quisesse adivinhar o que vejo.

Ora o que vejo...

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Teia Social: Finalizada a primeira escrita.

Como dizem, toda jornada que começa, chega a um fim.

E por isso apresentamos a vocês a versão finalizada da teia social.

É certo que o livro ainda passará por uma revisão atenciosa e que a previsão da finalização desta primeira edição esteja por volta de julho/2014. Mas o conteúdo em sua essência e substância já está todo aqui.

O trabalho ainda está aberto para as contribuições e, neste momento, especialmente para esclarecer e aprimorar os trechos e ideias que tenham gerado alguma dúvida ou rejeição firme durante a leitura. Sintam-se a vontade para mandar contribuições em privado no facebook ou pelo email aureolopes@mpf.mp.br

Fazemos um agradecimento especial a todos os leitores que têm nos acompanhado nesse projeto, dedicando seu tempo a leitura tão exigente.

O texto do livro da teia, em seu estágio atual, será progressivamente incorporado às respectivas páginas da Wikiteia (https://teiasocial.mpf.mp.br/index.php5/Página_principal
 
)

Sinceramente,

Aureo Lopes

https://teiasocial.mpf.mp.br/images/2/29/Teia_social_-_primeira_escrita_finalizada_-_05-01-14_.pdf
 

domingo, 5 de janeiro de 2014

Como me sinto? Empurrado pelo presente em direção a um passado que me suga e a um futuro que me ignora.