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A polícia (de choque) nos protestos.
Discuto aqui a atuação desviante dos policiais nos protestos, ou seja, quando é o caso de agir e se omitem de usar a força necessária para fazer cessar danos pessoais e materiais nos protestos ou quando exercem a força, mas em desproporção ou em face de cidadãos que não estão causando danos.
A atuação que resguarda os direitos fundamentais enquanto atua, bem preparada, com uso adequado de força e que busca evitar o conflito é a típica atuação de poder público que se espera e que se justifica.
Parece uma desgraçada ironia que os agentes públicos que exercem a função policial sejam, na maioria das vezes, (mal) pagos com recursos dessa própria sociedade para usar de força (violência) contra essa mesma sociedade, sob o fundamento de que estariam ali para defender o regime público que garante essa mesma sociedade, quando a sociedade em si já rejeita esse mesmo regime público. Estamos, por certo, falando de muitas sociedades diferentes, mas todas compõem a grande, complexa e diversa sociedade brasileira.
Policiais e todos os demais agentes públicos que estão no dia a dia das ruas são os mais expostos e acessíveis para a sociedade. Todas os políticos e os chefes e mais chefes da imensa máquina administrativa, todos os que não estão "no balcão", no atendimento, na rua, também fazem parte do problema e não devem ser esquecidos.
Logo, não faz sentido culpar apenas os policiais pela violência policial, assim como não faz sentido você xingar a atendente da companhia aérea quando seu vôo atrasa (a culpa não é dela e ela não pode resolver).
Assim, no caso de abusos policiais com danos à integridade física dos cidadãos deve-se ter uma ampla visão responsabilidade de todos os agentes públicos envolvidos, direta ou indiretamente, com ações e omissões, lembrando que a cadeia de comando final cabe aos chefes do poder executivo, especialmente governadores.
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A inversão do (ab)uso de autoridade:
Este texto para da reflexão sobre as ameaças sofridas por um dos humoristas do grupo
É claro que ser alvo de chacota é ruim, e especialmente para as autoridades, que precisam ser reconhecidas enquanto tais para exercerem suas funções.
Mas o humor, numa democracia, é uma forma abordar questões difíceis. E a violência policial, uma das formas de violência estatal que existem é uma dessas questões difíceis.
Na falta da empatia para se colocar no lugar de quem já sofreu, só quem já foi humilhado ou agredido para saber qual é a sensação.
A questão que vejo é, de novo, numa democracia, os agentes públicos estão sujeitos à crítica, ela faz parte, e eles não devem usar o poder público do qual são guardiões (no caso de policiais, armas, treinamento, viaturas etc.) para se vingar de algo que não gostaram. A frustração faz parte da vida adulta, do espaço público e da democracia.
Acho aliás, que a esquete do 'porta dos fundos' não foi inocente, acho que ela é muito inteligente.
Eles inverteram a posição da autoridade, que não é dada mais pelos sinais exteriores e nem pelo cargo exercido e sim pela legitimidade da cidadania.
É claro que os cidadãos ali representados cometeram abuso do direito de cidadãos que fiscalizam; da mesma forma que agentes públicos (não só os policiais) cometem abusos bastante frequentemente.
Vejo um lado muito positivo e dois muito negativos nessa situação:
O primeiro negativo é a possibilidade de agentes públicos - armados ou não - usarem dos recursos e investidura pública para se vingarem de críticas que não gostem.
O segundo negativo é o "gostinho", de vingança dos humilhados, que faz as massas se identificarem com a revolta dos oprimidos e a humilhação daqueles que tem poder. Isso me parece um ressentimento capaz de alimentar um conflito social explosivo.
O aspecto: o vídeo surpreende ao colocar a autoridade fora de onde normalmente esperamos que ela esteja, no Poder, no lado mais forte, no Estado e na Polícia, e a coloca no lado ordinariamente tido como mais fraco, cidadãos comuns e a sociedade civil.
Vejo essa inversão como sendo do mesmo quilate do filme Brokeback Mountain onde Ang Lee colocou cowboys, símbolo da macheza, no papel de homossexuais.
É uma crítica dura a quem exerce o poder público no país (não só aos policiais), mostrando que, elas por elas, o cidadão também tem o poder de (ab)usar de seu poder legítimo, como o tem os agentes públicos.