domingo, 1 de dezembro de 2013

Sou homem e amo...no futebol!

Vivemos numa cultura na qual é difícil para a maioria dos homens expressar o que sente. Afinal, podemos sentir qualquer coisa como apego, dedicação, confiança, esperança, dúvida, medo, tristeza, amor etc.

Com o tempo, alguns com mais, outros com menos, vamos aprendendo a expressar nossos sentimentos, um pouco com nossos pais, mais espontaneamente com nossas mulheres, mais naturalmente com nossos filhos. Mas expressar em público, perante outros homens, continua sendo um tabu.

Sentimentos relativos à sensibilidade e à fragilidade parecem ter sido reservados apenas às mulheres, como se os homens não sentissem tal coisa. Daí vem toda aquela ladaínha de "viadinho", "mulherzinha" etc. com a qual brincamos ou xingamos outros homens ainda que não tenhamos colocado em xeque sua opção sexual. Com isso estamos sendo papagaios de uma cultura herdada sobre a qual talvez não tenhamos refletido sobre o quanto realmente ela é importante para nós ou não.

Mas os sentimentos não são uma dimensão pessoal que possa ser simplesmente ignorada e, nesse momento podemos dizer: Ainda bem que temos o futebol!

No futebol - e alguns homens talvez apenas no futebol - podemos ser livres. Podemos abandonar a racionalidade e sentir. Podemos abandonar o utilitarismo e termos orgulho de sermos leais a um time ainda que ele só nos traga tristezas, vivendo um nobre sentimento de fidelidade.

No futebol podemos acreditar em um time, confiar que ele vai vencer, ainda que contra as probabilidades. Somos, portanto, homens de esperança, aquela esperança que muitas vezes não nos permitimos num dia a dia duro e frustrante.

No futebol podemos abraçar nossos amigos e pular de alegria sem que sejamos chamados de "bichas". No futebol podemos chorar de tristeza, como crianças, sem ser xingados de "maricas".

Mas, acima de tudo, no futebol podemos amar. É nesse ambiente, é sobre esse fundamento e é nessas oportunidades que podemos nos permitir viver, publicamente, os sentimentos do amor.

O amor ao time. Ainda que um amor-guerreiro que muitas vezes depende da negação do time adversário para encontrar a própria identidade e o próprio valor. Mas é amor.

É amor porque no futebol, como torcedores, somos todos iguais e abandonamos a questão do poder. Ninguém é mais que ninguém e todos os torcedores são iguais e estão no mesmo barco, amarrados ao mesmo sentimento e destino.

É um amor indulgente, que nos liberta do fardo de lidar com a ambiguidade do amor-ódio que anda sempre presente. Amamos o nosso time, odiamos o adversário clássico, e isso basta.

É amor porque nos tira completamente da indiferença com que normalmente olhamos para tudo o que não nos atinge em nossos interesses individuais. Como torcedor, nada em meu time pode me prejudicar ou beneficiar diretamente: não me deixa mais rico ou mais pobre e não tem efeitos materiais sobre mim.

Mas que estrago faz em meu espírito e humor quando perde. E como enche o meu peito de alegria quando ganha. Ilumina ou escurece minha vida e posso contar isso, de boca cheia, para quem quiser ouvir. E vou ser aceito em meus sentimentos se expressá-los como torcedor.

O ciúme da mulher (do torcedor) pelo tempo roubado, pelo brilho nos olhos que não vem dela, também atesta que é uma relação de amor. Imagino que deva existir um sentimento dúbio no coração da mulher de um torcedor: feliz por vê-lo sentir, triste por não ser a causa.

Afinal, se não fosse amor, seria o que? Qual o sentido de um jogo ocupar tanto das vidas, do tempo e dos nossos recursos? Mas se é a chance de sentirmos, de cantarmos, de gritarmos (bora soltar os bichos e viva ao banho de sol para os demônios interiores), de chorarmos, de amarmos, aí tudo bem porque por amor, vale tudo.

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Uma leitura interessante sobre o tema da fragilidade, para homens e mulheres, é o Livro "Fragilidade"de Jean - Claude Carriére. Ed. Objetiva.